quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

O luto amoroso



Não é prosa nem poesia, as chamas não ardem, o mundo transforma-se em névoa cinza, qualquer comida lhe dá azia, o sono nunca vem, o relógio faz o tic-tac dos filmes, a cabeça dói, não há fome, só um constante buraco que suga.
As pessoas falam e suas bocas se movem em câmera lenta, não existe som, não há linguagem, todos são meros coadjuvantes de um espetáculo trágico onde o protagonista é você.
Tic-tac, tic-tac, tic-tac, as horas não passam, é como se o tempo parasse para lhe dar os pêsames, a noite torna-se eterna, a cama fria, o quarto denso, você adormece para logo em seguida acordar aos gritos, os pesadelos são realistas, são seguidos, repetitivos, seguem dias e dias, intermináveis dias. 
Toda e qualquer capacidade de concentração desaparece, não se pode ler; as palavras borram, os filmes são uma viagem alucinante para dentro da tela, mas não faz sentido algum, é como estar vidrado em uma eterna sensação de não pertencer.
Não há refúgio, não há sol que lhe aqueça, nem rota que lhe salve, não há nada que lhe pertença, não neste momento, suas necessidades desaparecem, nada lhe incomoda; a dor de dente, o mau hálito, a comida estragada, a roupa mofada, o relatório não feito, a conta atrasada, a toalha na cama... 
Tic-tac, tic-tac, é uma viagem rumo a um planeta distante, é nadar em mar aberto sem terra a vista depois que uma embarcação afunda, tão aterrorizante que anestesia. 
Porém, é universal, é só um luto, um dia passa, e todos sabem e você sabe, um dia... 
Tic-tac, tic-tac, falta muito para amanhecer?

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Tributo à ansiedade


























Eu sou uma profunda extensão tua
Sou intocável, imensurável, invisível
Minha existência é um alfinete em tua carne
Sou o som irritante que nunca lhe deixa dormir
O soco no estômago que lhe da azia
Teus cabelos aos montes no ralo 
Tua ira constante sem motivo aparente
Teu medo dilacerante de repetir o ontem
Sou o vômito no banheiro do aeroporto
O reumatismo em tuas articulações 
Teu acidente vascular cerebral 
Os nós em teus músculos 
A angústia dolorida de cada dia
O gatilho da tua compulsão alimentar 
O controle remoto quebrado do teu humor 
Sou os dois maços de cigarro que você fuma 
As taças de vinho, os copos de cerveja, o whisky com gelo
A necessidade de exercícios físico que nunca cessam
A neurose estética que lhe persegue a cada momento
Eu sou tua falta de paz
A cafeína em teu organismo 
O lsd embaixo da tua língua 
Os vídeos pornôs em seu histórico de pesquisa
Teus orgasmos contínuos 
Os corpos nus na cama 
A nota que lhe faz fechar a porta e conferir as janelas antes de dormir
Sou o gás desligado antes de você sair 
A inquietação na fila do banco
A falta de atenção 
Sou os 21 km que você corre diariamente
A musculação mesmo quando você está completamente cansado
Os 150 km/hr no velocímetro do carro
As roupas compradas no shopping que nunca vai usar
Sou o branco no vestibular da USP
Tua gastrite problemática
A cocaína em teu nariz
O soco na cara das brigas de rua 
Sou você se olhando no espelho 
As manchas na pele antes da viagem
O silêncio do primeiro encontro 
O sofrimento diante do futuro 
Eu sou tudo aquilo que lhe dói 
Eu sou o teu cérebro se preparando para luta 
Eu posso lhe ver só as vezes, todo dia, ou até mesmo o tempo todo
Depende do quão íntimo é nosso relacionamento 
Do quão intenso é esse elo 
Frequentemente ultrapasso os limites do saudável 
Eu não sou recomendável, nunca fui 
Eu não me importo, afinal 
É você que a cada minuto se importa com tudo e com todos
Me leva ao limite e depois se leva à loucura!
Um abraço sufocante da tua mais sincera amiga!

Caminhe


                           Se vais partir, não vá assim; leva tua vida!

 A natureza humana é caminhante, sua essência é movimento, movimento árduo e contínuo, o perigo que antecede a curva nos mantém vivo. 
 A vida humana é algo muito além de produtos pendurados em prateleiras, roupas com linha especial, carros esportivos, bebidas  de mate com gosto de banana com aroma de avelã, casas minimamente detalhadas, filhos na faculdade, fotos de instagram, maços de cigarro ou viagens à Disney.  
 Século XXI, a era da tecnologia, automatização  e praticidade, todos deveriam estar felizes com seu estoque de calorias em roupas coloridas deitados em camas confortáveis.  Isso caso o ser humano tivesse evoluído conforme a sociedade, afinal de onde viemos  estar parado e vivendo do mesmo modo com convenções sociais é muito entediante.  
 O desafio do sistema capitalista, do comunismo, da religião, da indústria alimentícia, da ciência, da indústria farmacêutica e etc... É lidar com a real natureza humana; animal bípede da ordem dos primatas, Homo sapiens sapiens. 
 A anatomia humana não está preparada para ficar sentada doze horas por dia, suas articulações necessitam de estímulos,  e correr em uma esteira não vai resolver todo o problema em si, corremos por milhares de anos em busca de comida,  havia perigo e ansiedade em cada dia de nossas vidas,  pensando racionalmente dentro do nosso atual sistema  já não necessitamos tanto do mecanismo lutar ou fugir.
  A química hormonal primitiva continua a existir em nosso corpo o que resulta em uma espécie cheia de neuróticos-psicóticos, onde colocar o hormônio  que salvava a espécie? Atacamos geladeiras, compramos roupas, compramos carros, assistimos filmes,  assistimos  series, consumimos tudo o que existe, o tédio move o sistema, ele move até o último centavo. 
 Produtos que necessitam cada vez menos esforço e que tornam o homem cada vez mais entediado com a falta de estímulo, homem que vai consumir mais, e trabalhar mais em um trabalho específico que vai exigir de si sempre o mesmo envolto em um céu cada vez mais cinza…
  Necessidade de reproduzir, nós nunca a superamos,  o prazer sexual é um presente armadilha que a seleção natural nos deu, obviamente que o homem aprendeu engana-la, porém, ela tem artifícios cada vez mais complexos, mulheres menstruam cada vez mais cedo, fetiches sexuais, homossexualismo como forma de assistencialismo aos parentes genéticos com filhos, a natureza é um constante movimento superando-se em si mesma.  
 A fórmula exata é uma piada, a natureza não é estável, enquanto estamos sentados em nossos sofás ela continua a caminhar.  
Todo homem deveria prezar por sua essência,  estar em harmonia com a mesma,  livrar-se de um sistema de vida cheio de pautas, com ideias torturantes de vida após a morte e padrões de consumo extremamente desnecessários. 
 Caminhe, supere-se dentro de si mesmo, aquém de tudo que considera necessário, caminhe por horas e horas, desça e suba, corra sobre terrenos desnivelados, molhe –se, sinta frio, sinta calor, não sente-se por muito tempo, esteja desconfortável, não pare nunca, um pico sempre antecede o outro, a Terra é um organismo natural gigantesco para que você fique dentro de uma casa de x metros quadrados. 
 Caminhe até sentir forme, caminhe até ter bolhas no pé, caminhe até sua pele arder sob o sol, caminhe até suas articulações acostumarem-se novamente a movimentar-se, caminhe até ficar ofegante, caminhe sozinho, caminhe à dois, caminhe em grupo, caminhe sob qualquer circunstância, a marcha humana é natural, você vai sentir-se em sua própria pele e finalmente sentir-se bem nela. 
 Você é homem, animal bípede, da ordem dos primatas, Homo sapiens sapiens, com toda certeza você sabe de onde veio, então escolha para onde vai, estar sentado não leva a lugar algum, vai contra a natureza humana, vai contra qualquer ordem natural existente em nós. 
 Ignore os pontos, ignore o que está escrito em um livro, a natureza não escreve livros, os homens distorcidos sob a névoa de uma sociedade é que escrevem livros. 
 Aproveite os anos de vigor físico, sinta os intempéries climáticos, sinta as necessidades físicas aflorarem em você,  sinta a satisfação primitiva em caminhar, movimento e perigo; encare-os como natural e seja feliz com isso.